A quatro
mãos escrevemos o roteiro para o palco de meu tempo: o meu destino e eu.
Nem sempre
estamos afinados, nem sempre nos levamos a sério. ( Lya Luft).
Hoje talvez seja um dia para grandes reflexões. Vivemos todos em uma
teia, e nosso trajeto traça o nosso amadurecimento, são altos e baixos, pontos
luminosos e zonas de sombra.
E é assim que entendemos que a vida não tece
apenas a teia, mas também nos proporciona ganhos uma sucessão de ganhos assim
como perdas outra sucessão de perdas.
É no equilíbrio dessa balança que depende
muito do que soubermos e quisermos enxergar.
Agora estou me perguntando o que quero enxergar nesse momento? Qual é o
tom que quero dar minha vida agora? (Não estou perguntando como seremos ou não
condenado a viver. Não acho que a vida seja uma condenação nem em um momento
como esse).
A vida as vezes tem tons mais melancólicos, e em outras tons mais
claros, como a pressa e a superficialidade, alternamos alegria e prazer com
momentos de profundos e reflexivos.
Algumas vezes apenas corremos pela superfície e em outras vezes temos
que mergulhar em águas profundas.
Muitas vezes estamos tão distraídos que não conseguimos ouvir a nossa voz
e nem a voz do outro. E ai sentiremos suspeita e desconfiança, mas tudo isso
vai depender de nós.
Em nossas relações humanas, que incluem os diversos laços amorosos,
nadamos contra a correnteza. Tentamos o impossível: a fusão total não existe, o
partilhamento total é inexequível. E o que realmente é essencial nem pode ser
compartilhado na maioria das vezes. Essa talvez seja a nossa danação ou quem
sabe a nossa gloria – solitariamente.
E assim rasgando joelhos, mãos e alma a gente afinal vai vivendo.
Estou sempre
escrevendo sobre o fato de sermos responsáveis, mas também inocentes em relação
ao que nos acontece.
Somos autores de boa parte de nossas escolhas e omissões, audácia ou
acomodação, de nossa esperança e fraternidade ou de nossa desconfiança.
Mas sem duvida alguma somos inocentes das fatalidades e dos acasos
brutais que nos roubam amores, pessoas, saúde, emprego, segurança e ideais.
Minha perspectiva de ser humano, de mim mesma, é tão contraditória quanto
instigante. Somos transição e somos processo. É tudo isso nos perturba. Dessa minha
perspectiva somos senhores e não servos. Somos pessoas, e não pequenos animais
atordoados que correm sem saber ao certo por quê.
Fazendo aqui um pouco de literatura, posso dizer que é assim que a morte
vai escrevendo sobre nós – desde que nascemos ela vai elaborando conosco o
roteiro. Ela é sem duvida alguma a grande personagem, o olho que nos contempla
sem dormir, a voz que nos convoca e não queremos ouvir, mas pode nos revelar
muitos segredos.
O maior deles que ela me ensinou em nossos encontros foi: a morte torna a vida tão importante!
Porque vamos morrer, precisamos poder dizer hoje que amamos fazer hoje o
que desejamos tanto, abraçar hoje o filho ou o amigo. Temos de serem decentes
hoje, generosos hoje... deveríamos tentar ser felizes hoje.
A morte não nos persegue, ela apenas nos espera, pois somos nós que corremos para o seu colo. O modo
como vamos chegar lá é coisa que podemos decidir em todos os anos de nosso
tempo.
O melhor de tudo é que ela nos lembra da nossa transcendência.
Somos mais que corpo e ansiedade, somos mistério, o que nos torna
maiores do que pensamos ser, maiores do que os nossos medos.
Quando se aproxima dessa zona do inaudito, o amor tem que se curvar, com
dor, com terror, submete-se a essa prova maior. Começa com a ternura,
aproxima-se de alguma coisa chamada permanência.
Se passamos nossa vida acreditando que estamos aqui para comer,
trabalhar, comprar e pagar contas, a morte da pessoa que amamos será sem duvida
remissão e desespero. Não nos conformamos, não acreditamos em mais nada.
Mas se tivermos alguma visão positiva do todo do qual fazemos parte,
junto com a indesejada, insondável, mas inevitável transformação a morte,
depois de algum tempo a pessoa que amamos se acomodará de outro jeito em nós, e
continuará como parte da nossa realidade.
Está transfigurado, porém ainda existe.
Conheço bem a Senhora Morte, ela já me pegou duro, me cuspiu na cara, me
jogou no chão. Levou de mim pedaços preciosos e importantes. Mas as partes
perdidas estão se refazendo, diferentes, hoje não me sinto mais mutilada,
embora a cada dia sinta em mim aqueles espaços vazios que não voltarão a ser ocupados.
E foi assim que aprendi que a melhor homenagem que posso fazer a quem se
foi é viver como ele gostaria que eu vivesse, bem, integralmente, saudavelmente,
com alegrias possíveis e projetos impossíveis.
E para isso não poderei está agachada em um canto tapando a cara, porque
assim não escutarei o rumor do vento nas árvores do mundo, que eu tanto quis
entender nem que seja mesmo por só dia.
Entendi com a Senhora Morte que somos inquilinos de algo bem maior do
que nosso pequenos segredo individual. O poderoso ciclo da existência. Nele todos
os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.
Entendi que como as árvores de uma mata, estamos vivendo esse inquilinato,
alguns de nós são retirados em plena florescência, e potencia e tombam. Outras nem
chegam a crescer, e fenece, outras, velhíssimas, retorcidas e torturadas, quase
pede enfim para descansarem mas ainda pode ter dignidade e beleza em sua
condição.
O tempo que aparentemente tudo leva e tudo devolve, só nos afoga se
permitirmos. Muitas vezes é visto como ameaça o tempo que é usado para
nascermos, brotarmos, quando na realidade tudo o que precisamos é aprender domestica-lo. Depende apenas da nossa
perspectiva e possibilidades em tecermos nossa historia.
Viver como morrer é nos criarmos a cada momento. A vida não está aqui
apenas para ser suportada ou vivida, mas para ser elaborada. Eventualmente reprogramada
conscientemente executada. Não precisamos realizar nada de espetacular. Mas que
o mínimo seja o máximo que a gente tenha consigo fazer por nós mesmos.
Seu comentário é importante para meu trabalho, deixe-o aqui.
Muito obrigado!
Fátima Jacinto